“Se você não contar a verdade sobre si mesmo, não pode contar a verdade
sobre as outras pessoas”. Virginia Woolf
Marie Louise Von Franz em sua obra intitulada "psicoterapia" aborda em um dos capítulos o fenômeno da projeção, que consiste em deslocar um conteúdo psíquico para um objeto externo e considerar a qualidade ou atributo deslocado como inerente ao próprio objeto. A projeção é um processo normal, não intencional e inconsciente. E é importante aqui ressaltar, que tudo que se projeta é nosso. É aqui onde entra o problema das idealizações, formas comuns e visíveis de projeção.
A
idealização é um problema nas relações interpessoais na medida em que cria uma
imagem excessivamente irreal do indivíduo com o qual estamos nos relacionando,
seja essa imagem negativa ou positiva. E então a forma como nos comportamos com
o outro passa a ser orientada e de acordo com a nossa percepção dessa imagem.
Isso acontece nas relações de trabalho, com os vínculos familiares e mais
notadamente nas relações amorosas. Isto não significa que idealizar seja
necessariamente negativo ou indesejável, na verdade em muitos casos até
facilita o estabelecimento e a manutenção de algumas relações. Por exemplo,
idealizar que professores sabem de tudo ou projetar neles uma ideia de
segurança ou autoridade pode ser positivo, mas imagine fazer o mesmo com um
amigo ou com um namorado? Aqui fica claro também o quanto a cultura contribui
para a aprovação e disseminação de certos ideais.
Muito
dessa imagem que criamos tem haver não com o outro, mas com nós mesmos. No
entanto estamos inconscientes disso, transferimos o peso de nossas expectativas
e medos, ou o que é pior, definimos quem é o outro de forma taxativa. Falamos
de seus desejos, do que o define, se é perfeito ou imperfeito, viril ou
feminino, vulgar ou santo, autoritário ou passivo, etc. Esperamos então que o
outro corresponda prontamente, sem perceber o quanto essa atitude é prejudicial
para ambas as partes. Ela é danosa para nós pois estamos fadados a frustração e
a surpresa de ter nossas expectativas não correspondidas. Enquanto isso o outro
que é alvo de nossas idealizações se vê influenciado pela carga de nossas
emoções e será as vezes compelido a agir da forma que se espera dele, independentemente
de seu próprio desejo.
Nossa
época, entretanto, não oferece muitos exemplos de vínculos duradouros e frente
a difícil tarefa de se conhecer e de lidar com todas as angústias que vão se
acumulando ao longo de nossa história de vida, e de ainda lidar com as
frustrações que irão aparecer no caminho de qualquer relação longa, muitos
preferem a opção tentadora de mudar o tempo todo de parceiro(a). Preferem não
permanecer tempo suficiente para dar espaço a qualquer sentimento negativo. As
opções e possibilidades são diversas, e nesse mundo efêmero tudo pode ser
facilmente descartado. Se por um lado nossas exigências se tornaram mais altas,
por outro lado nosso limiar de frustração é baixo. Mas aquele que não conhece
minimamente suas próprias ideias e falhas viverá sempre a projetá-las nos
outros e assim para preencher sua incompletude e para fugir de si, o outro
nunca lhe bastará.
Mas
como desfazer esse nó que aflige e destrói tantos laços? Primeiro, precisamos
parar de pôr a responsabilidade sempre no outro. Segundo, todos necessitamos do
esforço diário de auto-observação e autocrítica. A tomada de consciência de
conteúdos inconscientes é um processo difícil e que exige grande implicação
ética e moral, e é sobretudo desagradável perceber o quanto daquilo que tanto
desprezamos e criticamos nos pertence. Nesse sentido há um grande e
insubstituível valor na psicoterapia, pois o psicoterapeuta facilita o processo
de ampliação da percepção que o analisando tem de si e dos outros, e ao mesmo
tempo dá suporte para este enquanto ele galga esse árduo caminho.
Por Nayara Sobreira - CRP 11/09789
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