22 de agosto de 2016

A idealização nos relacionamentos





“Se você não contar a verdade sobre si mesmo, não pode contar a verdade sobre as outras pessoas”. Virginia Woolf
 
Marie Louise Von Franz em sua obra intitulada "psicoterapia" aborda em um dos capítulos o fenômeno da projeção, que consiste em deslocar um conteúdo psíquico para um objeto externo e considerar a qualidade ou atributo deslocado como inerente ao próprio objeto. A projeção é um processo normal, não intencional e inconsciente. E é importante aqui ressaltar, que tudo que se projeta é nosso. É aqui onde entra o problema das idealizações, formas comuns e visíveis de projeção. 


A idealização é um problema nas relações interpessoais na medida em que cria uma imagem excessivamente irreal do indivíduo com o qual estamos nos relacionando, seja essa imagem negativa ou positiva. E então a forma como nos comportamos com o outro passa a ser orientada e de acordo com a nossa percepção dessa imagem. Isso acontece nas relações de trabalho, com os vínculos familiares e mais notadamente nas relações amorosas. Isto não significa que idealizar seja necessariamente negativo ou indesejável, na verdade em muitos casos até facilita o estabelecimento e a manutenção de algumas relações. Por exemplo, idealizar que professores sabem de tudo ou projetar neles uma ideia de segurança ou autoridade pode ser positivo, mas imagine fazer o mesmo com um amigo ou com um namorado? Aqui fica claro também o quanto a cultura contribui para a aprovação e disseminação de certos ideais.

Muito dessa imagem que criamos tem haver não com o outro, mas com nós mesmos. No entanto estamos inconscientes disso, transferimos o peso de nossas expectativas e medos, ou o que é pior, definimos quem é o outro de forma taxativa. Falamos de seus desejos, do que o define, se é perfeito ou imperfeito, viril ou feminino, vulgar ou santo, autoritário ou passivo, etc. Esperamos então que o outro corresponda prontamente, sem perceber o quanto essa atitude é prejudicial para ambas as partes. Ela é danosa para nós pois estamos fadados a frustração e a surpresa de ter nossas expectativas não correspondidas. Enquanto isso o outro que é alvo de nossas idealizações se vê influenciado pela carga de nossas emoções e será as vezes compelido a agir da forma que se espera dele, independentemente de seu próprio desejo. 

Nossa época, entretanto, não oferece muitos exemplos de vínculos duradouros e frente a difícil tarefa de se conhecer e de lidar com todas as angústias que vão se acumulando ao longo de nossa história de vida, e de ainda lidar com as frustrações que irão aparecer no caminho de qualquer relação longa, muitos preferem a opção tentadora de mudar o tempo todo de parceiro(a). Preferem não permanecer tempo suficiente para dar espaço a qualquer sentimento negativo. As opções e possibilidades são diversas, e nesse mundo efêmero tudo pode ser facilmente descartado. Se por um lado nossas exigências se tornaram mais altas, por outro lado nosso limiar de frustração é baixo. Mas aquele que não conhece minimamente suas próprias ideias e falhas viverá sempre a projetá-las nos outros e assim para preencher sua incompletude e para fugir de si, o outro nunca lhe bastará. 

Mas como desfazer esse nó que aflige e destrói tantos laços? Primeiro, precisamos parar de pôr a responsabilidade sempre no outro. Segundo, todos necessitamos do esforço diário de auto-observação e autocrítica. A tomada de consciência de conteúdos inconscientes é um processo difícil e que exige grande implicação ética e moral, e é sobretudo desagradável perceber o quanto daquilo que tanto desprezamos e criticamos nos pertence. Nesse sentido há um grande e insubstituível valor na psicoterapia, pois o psicoterapeuta facilita o processo de ampliação da percepção que o analisando tem de si e dos outros, e ao mesmo tempo dá suporte para este enquanto ele galga esse árduo caminho. 

Por Nayara  Sobreira - CRP 11/09789
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