22 de fevereiro de 2017

O que é Psicodrama




Quando se fala em psicologia, atualmente é muito comum pensar em psicanálise e teoria cognitiva comportamental. No entanto, a psicologia tem um universo muito vasto de teorias e formas de atuação: Gestalt, Psicologia Analítica, Abordagem Centrada na Pessoa, e dentre o psicodrama.

O psicodrama foi criado pelo psiquiatra Jacob Levy Moreno entre o final do século XIX e início do XX.  A palavra psicodrama vem da junção de duas transliterações do grego: ψυχή, psique, que significa alma; e δράμα, drama, cujo significado é ação, ou uma coisa feita. “Portanto, o psicodrama pode ser definido como a ciência que explora a ‘verdade’ por métodos dramáticos.”. Moreno colocava que o psicodrama pode ser para o sujeito um meio de “transferir” seu mundo interno para fora, tornando-o visível e possível de modificações.

Assim, seria uma experiência terapêutica completa que envolvesse tanto verbal quanto o corporal, tanto o sensorial quanto o motor, tanto o emocional quanto o racional. É fazer com que a narração de um conflito possa se tornar a vivência deste em sua totalidade, não apenas falando sobre ele, mas dando vida a este em sessão e permitindo que o sujeito viva a si mesmo dentro do contexto terapêutico, tanto em palavras como em gestos, lágrimas, sorrisos etc. 

Quando um cliente traz um determinado conflito para o psicoterapeuta psicodramatista, este convida-o para que dramatizem tal questão. Através da encenação, é possível olhar o conflito sobre diversos ângulos e buscar sua resolução. Além de viver a si mesmo dentro da cena, o sujeito teria a possibilidade de experienciar os demais elementos dessa, quer sejam outras pessoas, quer sejam sentimentos, pensamentos ou desejos não expressos pelo próprio cliente. 

Segue abaixo um exemplo fictício de atendimento em psicodrama:
ALencar, 28 anos, formado em educação física, ensina numa universidade, casado a dois anos. Iniciou psicoterapia para decidir se continuaria ou não casado:
Alencar (A):  Não dá mais para ficarmos juntos. Ontem cheguei em casa e perguntei como foi o dia. Mas depois começou a brigar e acho que chegou a hora de terminarmos.
Psicodramatista (P): Como essa briga começou?
A: Ela não me ouve e já começa a brigar. É sempre assim. Chega!
P: Onde vocês estavam quando a briga começou? Era que horas?
A: Estávamos no quarto, era perto de oito da noite. Tinha acabado de chegar em casa de um dia exaustivo.
O psicodramatista solicita ao cliente para montar o cenário do quarto com objetos do consultório. Ele coloca uma cadeira como cama, sua esposa sentada olhando contas, uma outra almofada no chão representando a porta por onde ele entrará.
P: Ficarei no papel de sua esposa e gostaria que você mostrasse como tudo aconteceu.
Alencar entra no quarto e olha para a esposa.
A: Oi, amor. Com você está?
O psicodramatista para a cena e assume o papel de Alencar e Alencar assume o papel de sua esposa.
P como A: Oi, amor. Com você está?
A como E: Oi, amor, só um pouco apressada aqui. Muitas contas para pagar, tudo em atraso.
P como A: Muitas contas?
A como E: Você sabe como é... as nossas estão todas em dias, mas as dos meus irmãos não estão bem.
O psicodramatista vai para o lugar da esposa e Alencar volta ao seu papel.
P como E: Você sabe como é... as nossas estão todas em dias, mas as dos meus irmãos não estão bem.
A: Lá vai você novamente, Letícia! Quantas vez eu já te falei pra sair dessa história com teus pais! Deixa eles cuidarem desse comércio e vai viver tua vida! Vai se dedicar à tua profissão. Assim você vai se acabar.
Alencar vira-se e sai em direção à porta. Fala que a briga acabou ali. O psicodramatista solicita para que ele volte ao momento em que vai sair pela porta. O psicodramatista coloca que será também Alencar, então o cliente conversará com ele mesmo, como se estivesse falando com um espelho.
P como A: O que estamos fazendo nesse momento?
A: Indo embora. Já não aguento mais?
P como A: É isso, já não aguento mais. O que que não aguentamos mais?
A: ela não nos escutar!
P como A: Ela não nos escuta! E a gente já não aguenta mais isso. Desde quando ela não nos escuta?
A: Desde sempre. A gente já sabia disso e continuou.
P como A: E por que mesmo assim a gente continuou? Mesmo sabendo que ela nunca nos escutou, a gente ainda assim continuou.
A: Eu achava que seria diferente. Que ela seria diferente.
P como A: como assim diferente?
A: diferente de todas as outras!
P como A: Parece que as outras mulheres da nossa vida foram assim, nunca nos escutaram.
A: Isso. 
 
Psicodramatista pede para que o cliente feche os olhos e lembre de uma cena em que não foi escutado e que monte essa cena no consultório. Novamente é uma cena no quarto, mas quando Alencar tinha 18 anos de idade. No quarto estão ele e a mãe. O Psicodramatista vai para o papel da mãe de Alencar (M) e ele assume o próprio papel de jovem de 18 anos e reproduzam a cena. 

A: Mãe, até quando você vai ficar aí feito besta, só chorando e lamentando.
P como M: ... (como se estivessem chorando e lamentando)
A: Ele não presta, só te bate, não liga pra ti! Não liga pra nossa família. Pra que você continua com ele, mãe?
Invertem de papel. Psicodramatista faz ele e ele fica no lugar da mãe. Psicodramatista repete as colocações acima.
A como M: Alencar, meu filho, ele é seu pai, eu tenho que ficar com ele. Eu o amo.
P como A: Mas ele não liga pra ti! Pra que você continua com ele, mãe?
A como M: Ele vai mudar, as coisas vão melhorar. Não é assim, meu filho.
Novamente invertem os papéis e o psicodramatista repete as respostas da mãe.
A: Mãe, você nunca me escuta. Nunca! Você está jogando sua vida fora!
Alencar sai pela porta. Nesse momento o psicodramatista pede para que ele congele a cena e faz uma conversa de Alencar com ele mesmo.
P como A: O que a gente acha disso?
A: Eu não gosto disso! Se ela me escutasse não estaria jogando sua vida pelo ralo com meu pai. Mas ela não me escuta, é teimosa.
P como A: Ela não escuta mesmo. E a gente? O que vamos fazer?
A: Vou embora, seguir minha vida, vou passar logo num concurso e deixar que ela viva o que quiser, eu que não quero continuar vivendo essa lenga-lenga.
P como A: Quando não nos escutarem o jeito é ir embora e deixar esse lenga-lenga.
A: É assim que será.
P como A: E nós, conseguimos escutar os outros? Conseguimos escutar os motivos de mamãe ou os de Letícia? Ou vamos embora e não damos ouvido ao que nos é dito?
A: ... (pensativo)

Esse é um breve relato de uma sessão de psicodrama em que foi possível perceber o disparador emocional para as brigas que Alencar tinha com sua esposa e da postura que Alencar assume. Apesar de ser um caso fictício ele traz a forma que o conflito é tratado no psicodrama, possibilitando ao indivíduo trazer seu universo em formato de cenas e vislumbrar o seu drama.

Rafael Barros de Oliveira (CRP 11/05284)
Psicoterapeuta, Psicodramatista pela FEBRAP,  Diretor da Clínica Arcádia Psicologia, Professor do Instituto de Psicodrama e Máscaras, autor do livro Símbolos e Psicodrama.
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