Quando se fala em psicologia, atualmente
é muito comum pensar em psicanálise e teoria cognitiva comportamental. No
entanto, a psicologia tem um universo muito vasto de teorias e formas de
atuação: Gestalt, Psicologia Analítica, Abordagem Centrada na Pessoa, e dentre
o psicodrama.
Assim, seria uma experiência terapêutica completa que envolvesse tanto verbal
quanto o corporal, tanto o sensorial quanto o motor, tanto o emocional quanto o
racional. É fazer com que a narração de um conflito possa se tornar a vivência
deste em sua totalidade, não apenas falando sobre ele, mas dando vida a este em
sessão e permitindo que o sujeito viva a si mesmo dentro do contexto
terapêutico, tanto em palavras como em gestos, lágrimas, sorrisos etc.
Quando um cliente traz um
determinado conflito para o psicoterapeuta psicodramatista, este convida-o para
que dramatizem tal questão. Através da encenação, é possível olhar o conflito
sobre diversos ângulos e buscar sua resolução. Além de viver a si mesmo dentro
da cena, o sujeito teria a possibilidade de experienciar os demais elementos
dessa, quer sejam outras pessoas, quer sejam sentimentos, pensamentos ou
desejos não expressos pelo próprio cliente.
Segue abaixo um exemplo fictício
de atendimento em psicodrama:
ALencar, 28 anos, formado em
educação física, ensina numa universidade, casado a dois anos. Iniciou
psicoterapia para decidir se continuaria ou não casado:
Alencar (A): Não dá mais para ficarmos juntos. Ontem
cheguei em casa e perguntei como foi o dia. Mas depois começou a brigar e acho
que chegou a hora de terminarmos.
Psicodramatista (P): Como essa
briga começou?
A: Ela não me ouve e já começa a
brigar. É sempre assim. Chega!
P: Onde vocês estavam quando a
briga começou? Era que horas?
A: Estávamos no quarto, era perto
de oito da noite. Tinha acabado de chegar em casa de um dia exaustivo.
O psicodramatista solicita ao
cliente para montar o cenário do quarto com objetos do consultório. Ele coloca
uma cadeira como cama, sua esposa sentada olhando contas, uma outra almofada no
chão representando a porta por onde ele entrará.
P: Ficarei no papel de sua esposa
e gostaria que você mostrasse como tudo aconteceu.
Alencar entra no quarto e olha
para a esposa.
A: Oi, amor. Com você está?
O psicodramatista para a cena e
assume o papel de Alencar e Alencar assume o papel de sua esposa.
P como A: Oi, amor. Com você
está?
A como E: Oi, amor, só um pouco
apressada aqui. Muitas contas para pagar, tudo em atraso.
P como A: Muitas contas?
A como E: Você sabe como é... as
nossas estão todas em dias, mas as dos meus irmãos não estão bem.
O psicodramatista vai para o
lugar da esposa e Alencar volta ao seu papel.
P como E: Você sabe como é... as
nossas estão todas em dias, mas as dos meus irmãos não estão bem.
A: Lá vai você novamente, Letícia!
Quantas vez eu já te falei pra sair dessa história com teus pais! Deixa eles
cuidarem desse comércio e vai viver tua vida! Vai se dedicar à tua profissão. Assim
você vai se acabar.
Alencar vira-se e sai em direção
à porta. Fala que a briga acabou ali. O psicodramatista solicita para que ele
volte ao momento em que vai sair pela porta. O psicodramatista coloca que será
também Alencar, então o cliente conversará com ele mesmo, como se estivesse
falando com um espelho.
P como A: O que estamos fazendo
nesse momento?
A: Indo embora. Já não aguento
mais?
P como A: É isso, já não aguento
mais. O que que não aguentamos mais?
A: ela não nos escutar!
P como A: Ela não nos escuta! E a
gente já não aguenta mais isso. Desde quando ela não nos escuta?
A: Desde sempre. A gente já sabia
disso e continuou.
P como A: E por que mesmo assim a
gente continuou? Mesmo sabendo que ela nunca nos escutou, a gente ainda assim
continuou.
A: Eu achava que seria diferente.
Que ela seria diferente.
P como A: como assim diferente?
A: diferente de todas as outras!
P como A: Parece que as outras
mulheres da nossa vida foram assim, nunca nos escutaram.
A: Isso.
Psicodramatista pede para que o
cliente feche os olhos e lembre de uma cena em que não foi escutado e que monte
essa cena no consultório. Novamente é uma cena no quarto, mas quando Alencar
tinha 18 anos de idade. No quarto estão ele e a mãe. O Psicodramatista vai para
o papel da mãe de Alencar (M) e ele assume o próprio papel de jovem de 18 anos
e reproduzam a cena.
A: Mãe, até quando você vai ficar
aí feito besta, só chorando e lamentando.
P como M: ... (como se estivessem
chorando e lamentando)
A: Ele não presta, só te bate,
não liga pra ti! Não liga pra nossa família. Pra que você continua com ele,
mãe?
Invertem de papel.
Psicodramatista faz ele e ele fica no lugar da mãe. Psicodramatista repete as
colocações acima.
A como M: Alencar, meu filho, ele
é seu pai, eu tenho que ficar com ele. Eu o amo.
P como A: Mas ele não liga pra
ti! Pra que você continua com ele, mãe?
A como M: Ele vai mudar, as
coisas vão melhorar. Não é assim, meu filho.
Novamente invertem os papéis e o
psicodramatista repete as respostas da mãe.
A: Mãe, você nunca me escuta.
Nunca! Você está jogando sua vida fora!
Alencar sai pela porta. Nesse
momento o psicodramatista pede para que ele congele a cena e faz uma conversa
de Alencar com ele mesmo.
P como A: O que a gente acha
disso?
A: Eu não gosto disso! Se ela me
escutasse não estaria jogando sua vida pelo ralo com meu pai. Mas ela não me
escuta, é teimosa.
P como A: Ela não escuta mesmo. E
a gente? O que vamos fazer?
A: Vou embora, seguir minha vida,
vou passar logo num concurso e deixar que ela viva o que quiser, eu que não
quero continuar vivendo essa lenga-lenga.
P como A: Quando não nos
escutarem o jeito é ir embora e deixar esse lenga-lenga.
A: É assim que será.
P como A: E nós, conseguimos
escutar os outros? Conseguimos escutar os motivos de mamãe ou os de Letícia? Ou
vamos embora e não damos ouvido ao que nos é dito?
A: ... (pensativo)
Esse é um breve relato de uma
sessão de psicodrama em que foi possível perceber o disparador emocional para
as brigas que Alencar tinha com sua esposa e da postura que Alencar assume.
Apesar de ser um caso fictício ele traz a forma que o conflito é tratado no
psicodrama, possibilitando ao indivíduo trazer seu universo em formato de cenas
e vislumbrar o seu drama.
Rafael Barros de Oliveira (CRP
11/05284)
Psicoterapeuta, Psicodramatista
pela FEBRAP, Diretor da Clínica Arcádia
Psicologia, Professor do Instituto de Psicodrama e Máscaras, autor do livro
Símbolos e Psicodrama.
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