Muito me chama atenção à questão da morte e de como existem diversas
visões, reações, medos, tabus para tal fato. É algo que ainda choca muito, como
se vivêssemos pela vida esquecendo a morte,como se fosse algo muito distante da
nossa realidade. Porém, é uma verdade incontestável, universal e impossível de
escaparmos, pois faz parte do ciclo natural da vida, de modo que cedo ou tarde
ela chegará.
Há alguns anos, pude ter contato direto com mortes constantes, durante um
ano de estágio em um hospital de Fortaleza, no período da Faculdade de
Psicologia, no qual acompanhei vários casos e acontecimentos diante da
morte. Devido atendimentos com pacientes
de UTI, pude perceber bastante a questão do morrer na solidão, cheios de
aparelhos, sendo cuidados por profissionais, que muitas vezes são despreparados
e até mesmo pouco trabalhados em relação à temática, o que favorece a não
compreensão das dores, angustias do paciente, e por vezes banalizam o
sofrimento desses sujeitos em eminência de morte. Como afirma M. Hennezel, “No
hospital antes de tudo cuida-se de corpos doentes.” Deixando de lado a
subjetividade de cada um, a afetividade e individualidade daquela pessoa. Com
isso percebemos que os profissionais de saúde, como afirma Velasco e Santos,
acabam por usarem mecanismos, como negação, isolamento das emoções e
racionalização para lidarem com as constantes mortes presentes diariamente no
ambiente de trabalho que estão inseridos.
A sensação que muitas vezes me consumia era que os pacientes ali não
passavam de simples bonecos, sem autonomia, personalidade, de um simples corpo
que agora havia virado um nada. Em sua maioria esses pacientes não possuíam
atenção, ficavam ali naquele espaço entediante sem nenhum tipo de
solidariedade, humanidade, e me sentia muito bem quando chegava e dava um
simples “boa tarde, seu fulano”, e um sorriso meio que fraco, mas com muita
alegria se abria. A partir disso me vinha à cabeça de como ali, o que eles mais
precisavam era de conforto, atenção, apoio. Com isso, percebemos o quanto essa
temática deve ser ainda muito estudada nas Universidades, a fim de preparar
melhor os futuros profissionais que estarão inseridos nesse contexto
constantemente.
Nesse ambiente hospitalar, os
familiares não conseguem acompanhar o processo de morrer dos seus entes
queridos, o que dificulta a elaboração do luto, e até mesmo dificulta o morrer
do próprio paciente, que acaba por ter questões a serem resolvidas antes de
partir. Lembro-me bem que, por diversas
vezes, os pacientes vinham a óbito depois de uma visita de familiares, daquele
ente querido que ainda tava para chegar, ou depois de ouvir algo que estavam
esperando, mesmo com os mais altos níveis de sedativos, em coma, era como se
faltasse algo para que ele (a) pudesse partir.
Nessa mesma UTI, o público de maior incidência era idoso, e
analisando-os, pude perceber que os medos que existiam nesses pacientes, era da
dependência, de dar trabalho, do isolamento e da invalidez. Desse modo, era
constante o número de pacientes que desorientavam, que entravam em um quadro
depressivo, que ficavam bastante irritados e agitados pela situação de
passividade que se encontravam, de modo que ali os familiares é que tinham
total controle da situação e tomavam todas as decisões que achavam ser certas,
necessárias, o que nem sempre era do desejo dos mesmos, não possuindo vez nem
voz sobre a sua própria vida, muito menos sobre a sua própria morte. O
sentimento de abandono, desamparo, devido à impossibilidade dos familiares
permanecerem ao lado desses idosos era enorme. O idoso, em geral, possui esses
sentimentos e medos, o que é reforçado com a citação do autor Goldfarb (2006),
que relata que:
“A maior ameaça então
será a fragilidade dos vínculos e a possível perda do amor do outro que o
deixará no maior desamparo e sem proteção ante uma série de perigos e
sofrimentos.”
Certa vez em uma visita da UTI, um filho de uma paciente - que beirava
por volta dos 90 anos e encontrava-se bastante debilitada, cheia de tubos,
fazendo hemodiálise, sedada - me indagou se eu sabia o que era tanatologia ( estudo da “morte” e do
“morrer”), respondi que sim e ele me parabenizou, pois achava que todos os profissionais
ali presentes deveriam ter consciência, preparação e estudar para lidar com a
morte. Indignado devido os médicos quererem realizar procedimentos invasivos em
sua mãe, o mesmo relatou que ele queria que a mesma jamais estivesse naquela
situação, e sim que, estivesse em casa aproveitando os seus últimos momentos de
vida e que tudo aquilo era um grande sofrimento para ela, pois estavam deixando
a sua mãe deformada. Devido os seus vários irmãos ficarem contra o pensamento
que lhe pairava, o mesmo ficava sem nenhuma credibilidade. No dia da morte de
sua mãe, tal filho demonstrou alívio, apesar do sofrimento. Nunca mais me
esqueci da pergunta e de toda reflexão feita por esse senhor, que
diferentemente da maioria dos familiares, possui uma conduta e um pensamento
totalmente oposto, de modo que, acabam por tendo a segurança de que estão
fazendo o melhor por seu ente querido e até mesmo se retirando de uma possível
culpa por deixar seus familiares sob cuidados de outras pessoas, se abstendo
desse momento de finitude. Tal realidade mostra cada vez mais o quanto não estamos preparados para lidar com a
morte, em vivenciá-la, reforçando cada vez mais essa cultura de
negação.
Hoje diante de toda tecnologia,
devido ao capitalismo, morrer e morrer em casa é uma vergonha para a sociedade,
pois mostra a impotência do ser humano, impotência de não termos como escapar
da morte, o máximo que podemos fazer é adiá-la. Esse caso e a indagação desse
filho até mim, e mais ainda a postura e pensamento dele foi algo que me tocou e
me fez pensar como eu procederia se fossem os meus pais já idosos nessa
situação, se mesmo tendo todo conhecimento e consciência do que possivelmente
seria o melhor para eles, iria ter a atitude de deixá-los morrer em casa com
qualidade de vida, ou se os deixaria em um hospital tentando salvá-los e evitar
algo que não teria outro fim senão a morte? Vejo tal situação bastante ainda
complicada de ser pensada, mais ainda de ser vivenciada. Penso: “Será que não
seria egoísmo deixá-los em um hospital em prol de um conforto e alívio próprio?’’
Fica a grande dúvida!
Por Ilana Fillipi Fernandes
CRP: 11/ 09125
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